10/06/2020 - Após abertura, interior tem segunda onda de infecção de Covid-19
Cidades do interior do Brasil que reabriram as atividades econômicas nos últimos dias ou semanas estão registrando um aumento súbito de infecções e mortes causadas pelo novo coronavírus.
É como se uma segunda onda, provocada pela maior circulação de pessoas, estivesse se sobrepondo a uma primeira leva de infecções, quando o vírus migrou das capitais em direção ao interior.
No início da epidemia, as cidades menores, mesmo sem casos confirmados de infectados, implantaram o isolamento espelhando-se nas capitais. Agora que passaram a registrar mais infecções e mortes, elas também seguem as cidades maiores ao adotarem um programa de reabertura.
Segundo Suzana Margareth Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a chamada interiorização da Covid-19 vai sendo engrossada pelo fim do isolamento.
O centro de tratamento intensivo que Lobo comanda no Hospital de Base de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, teve de abrir novos leitos nos últimos dias para atender a demanda da cidade e de municípios vizinhos que retomaram as atividades econômicas.
“Onde existem, as UTIs de cidades menores começam a ficar cheias rapidamente”, diz Lobo. “Agora vamos ver se os municípios maiores aguentam.”
Em Uberlândia (MG), que começou a reabrir a economia no final de abril, a virada de maio para junho registrou um salto de 72% nos casos confirmados e de 55% nas mortes pela Covid-19 —elevando para cerca de 90% a ocupação dos leitos de UTI da rede municipal.
“A reabertura da economia teve um efeito evidente. Houve casos de colaboradores de uma empresa que voltaram ao trabalho e acabaram infectados todos ao mesmo tempo”, diz Natália Madureira, médica em uma unidade básica de saúde de Uberlândia que atende 5.000 pessoas.
Na cidade mineira, 72% das mortes pela Covid-19 registradas até agora ocorreram depois da reabertura econômica.
Em São João del Rei (MG), também houve um súbito aumento no número de casos confirmados após a reabertura, há duas semanas.
“É como se estivéssemos enfrentando uma segunda onda em cima de uma primeira que ainda nem quebrou”, diz Tatiana Teixeira de Miranda, médica de família e comunidade e professora na Universidade Federal de São João del Rei.
Segundo ela, há uma contradição agora em relação ao início da epidemia no Brasil: quando não havia casos, houve a tentativa de isolar a cidade com barreiras.
Agora que eles aumentam, a pressão é para que São João del Rei e outras cidades históricas como Tiradentes reabram o mais rápido possível.
No Distrito Federal, a volta do comércio em Brasília no final de maio também acabou levando a uma maior disseminação de casos para as cidades satélites do entorno.
“Houve uma reabertura equivocada das cidades satélites, feita com base na situação mais confortável que existia no Plano Piloto”, diz Rodrigo Lima, médico de um posto de saúde em Samambaia que atende cerca de 25 mil pessoas.
Segundo ele, o total de atendimentos de pacientes com suspeita ou infectados pelo coronavírus dobrou nas duas últimas semanas.
No Nordeste, a região de fronteira entre Pernambuco, Bahia e Piauí é uma das que mais vêm sendo atingidas pelo fato de ter uma circulação maior de pessoas dos três estados. Só em Petrolina, os casos confirmados dobraram (de 179 para 358) nos últimos 18 dias.
Segundo Rafaela Pacheco, médica de família no Recife, embora Pernambuco tenha conseguido zerar nos últimos dias a fila para internação em UTIs na capital, a preocupação agora é com a reabertura no interior.
Apesar da ansiedade com o retorno das atividades enquanto os casos crescem nas cidades menores, todos os médicos ouvidos pela Folha afirmam que o isolamento foi crucial para conter a explosão inicial das infecções e para que os hospitais tivessem tempo de ampliar os leitos onde há UTIs.
Como apenas 505 dos 5.570 municípios do país têm UTIs, muitos dos novos pacientes do interior precisarão agora ser transportados e atendidos em leitos nas cidades maiores.
“Ao reabrir a economia, os municípios menores estão pagando para ver se terão as vagas de que vão precisar”, diz Rita Borret, médica de família na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo ela, enquanto a capital registra queda nos casos, eles crescem no interior. “O risco é termos uma nova onda por aqui também."
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