A autorização dada pelo TRF-4 para prender Lula, com a imediata determinação expedida pelo juiz Sérgio Moro, pegou a todos de surpresa porque não houve o trânsito em julgado do processo nem na segunda instância. Isso é conversa mole do Reinaldo Azevedo? Não! Reproduzo trecho da entrevista que o desembargador Carlos Thompson Flores, presidente do TRF-4, concedeu às 11h desta quinta à rádio BandNews FM, onde ancoro “O É da Coisa”:
“Se forem interpostos novos embargos de declaração, uma vez eles sendo julgados, a partir deste momento, o relator pode comunicar ao juiz Sergio Moro o cumprimento da decisão (...) Não há um prazo. Os embargos anteriores foram julgados mais ou menos em 30 dias (...) Agora, anuncia-se que poderá haver nos embargos, então, eu acho que, o mais tardar em 30 dias, isso deve estar sendo julgado”.
A fala é clara. Thompson Flores é presidente do tribunal que confirmou a condenação de Lula e ainda lhe majorou a pena. O entendimento pacífico a respeito é o de que se aguarda ao menos o trânsito em julgado na segunda instância. Seis horas depois, a autorização foi expedida pela Oitava Turma do TRF-4, antes, portanto, de a defesa ter entrado com o recurso cabível, cujo prazo se esgota no dia 10. Se a Constituição não existe, como decidiu o STF na quarta, então tudo é permitido.
Quando na cadeia, Lula será um prisioneiro de Cármen Lúcia. E não me refiro a seu voto de desempate. Foi ela quem se negou a pautar, o que não encontra explicação técnica, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade, cujo relator é Marco Aurélio. Elas dizem respeito ao Artigo 283 do Código de Processo Penal —que reproduz, num trecho, ipsis litteris, o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Seis dos 11 ministros do STF acatam a constitucionalidade do 283 do CPP. A irresponsabilidade a que se assiste é espantosa.
O desatino já se revelou num truque mixuruca em que se ancorou a retórica de pelo menos cinco dos seis ministros que votaram contra o habeas corpus. Rosa Weber tinha algo mais espetacular: o triplo twist carpado hermenêutico, que entrará para a história da ginástica pedestre do direito constitucional. E qual foi a patranha argumentativa de Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia? Tomar como sinônimas as expressões “presunção de inocência” e “trânsito em julgado”. Ainda que sejam íntimas, ainda que aquela seja a ideia de que esta é a matéria, ambas não se confundem desde os tempos da caverna — no caso, a de Platão.
A “presunção da inocência” trata, na verdade, da culpa. E nos diz que a ninguém se pode impor uma pena fora do devido processo legal e sem a apresentação das provas, ônus que cabe ao acusador. Na indigesta leitura de nossos sábios, como a segunda instância esgota as chamadas matérias de fato, não havendo mais espaço para a revisão de provas, então se esgota também a presunção de inocência; vale dizer: não se cuidaria mais de falar da não-culpabilidade. Pois é... Inexiste no Artigo 283 do Código de Processo Penal e no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição a expressão “presunção de inocência”. Enquanto Barroso não nos impuser o seu idioleto, “ninguém” quer dizer “ninguém”, “culpado” quer dizer “culpado”, e “trânsito em julgado” quer dizer “exaurimento de recurso”. Fim de conversa.
Mas o “Partido da Polícia” está convicto de que não precisa se subordinar a nada e a ninguém. Nem à lei.