“Não passa nada pela sua cabeça. Eu só pensava em correr para me manter vivo, poder voltar para casa e abraçar o meu filho de novo”. O relato é do engenheiro eletricista Rawgleison Batista Amaral, de 32 anos de idade. Ele mora em Birigui e estava em Brumadinho, Minas Gerais, no momento do rompimento da barragem do Feijão. Momento de medo e muita tensão.
A reportagem do jornal O LIBERAL REGIONAL esteve na casa do sobrevivente na manhã de segunda-feira (28). O próprio Rawgleison recepcionou a equipe com um forte ‘ bom dia’ . Percebia-se que o clima na residência era outro após dias de angústia e medo. Logo em seguida, a esposa do engenheiro, a professora Leandra Soares Amaral, também deu seus cumprimentos.
O relato, rico em detalhes, colocava o rapaz de volta ao cenário de caos que vivenciou. Rawgleison chegou a Belo Horizonte, capital mineira, na última quinta-feira (24), um dia antes da tragédia. O destino era Brumadinho, a cerca de 60 quilômetros de distância. Ele e outros colegas de trabalho faziam a instalação de sensores em ferrovias.
Foi um dia de trabalho intenso na quinta-feira. O engenheiro conta que chegou a cogitar passar a noite em uma pousada no município, esta destruída pela tsunami de lama no dia seguinte, causando o desaparecimento do proprietário Márcio Mascarenhas.
“A hospedagem era muito cara lá. Então, eu e o meu gerente decidimos voltar para Belo Horizonte e ficar em um hotel mais barato. Foi lá que deixamos nossas coisas, como malas, roupas e tudo mais”, conta.
O ROMPIMENTO
Sexta-feira, dia 25 de janeiro. O relógio marcava dez horas da manhã quando Rawgleison e o companheiro de trabalho chegaram novamente a Brumadinho para trabalhar. “Diferentemente do dia anterior, a nossa entrada foi bem mais rápida na portaria da Vale, já que eles seguem um protocolo de identificação e equipamentos de segurança”.
O engenheiro, o gerente e outros dois ajudantes partiram para o local onde faziam a instalação, bem próximo à barragem. Eram os últimos minutos de sossego na vida daquelas pessoas que ali estavam, inclusive na do biriguiense.
“Eu e o meu gerente temos costume de almoçar tarde, iríamos continuar lá trabalhando quando se deu o rompimento e, talvez, nem estaríamos vivos. Mas os nossos ajudantes queriam parar para almoçar. Nós os acompanhamos.”
Os quatro foram para o refeitório montado para funcionários da Vale. Estava lotado. Por volta de 12h30, Rawgleison e o gerente terminaram de almoçar e voltaram para a portaria, onde era um local mais alto. Foi, então, que o pesadelo teve início.
“Nós escutamos um barulho de chiado muito grande, igual a de uma cachoeira, só que bem mais alto. Eu levantei para ver o que estava acontecendo, pensei até que pudesse ser uma máquina lá embaixo prestes a explodir. Até que um companheiro que estava do meu lado gritou que a barragem tinha rompido. Todos começaram a correr e, eu, sem ainda entender nada, fiquei parado. A outra vez que eu olhei para trás vi o mar de lama se aproximando, casas sendo levadas, caminhonetes, caminhões. Eu só corri”, relata.
O desespero e a vontade de viver deram força para que o biriguiense continuasse correndo. Mesmo assim não era suficiente. A lama se aproximava cada vez mais. O refeitório que ele estava até minutos atrás já tinha desaparecido. “Eu não tinha muitos amigos lá, apenas conhecidos. Almocei com um colega chamado Rodrigo. Estava frente a frente com ele. Eu terminei de almoçar, ele ficou lá quando a barragem rompeu. Até agora está desaparecido”.
O que parecia perdido teve um novo recomeço. O engenheiro já não tinha mais saída, iria ser atingido pela lama. Até que uma caminhonete da Vale passou pela sua frente. Ele fez sinal de parada e o motorista estacionou. Gritou para que subisse imediatamente. Outras pessoas estavam ali. “Ficamos todos amontoados na carroceria e eu fiquei embaixo. Era um caminho já conhecido por aqueles funcionários, caso algo dessa magnitude acontecesse”.
Rawgleison estava a salvo. Ele e os outros sobreviventes conseguiram chegar a um ponto, onde a lama não os atingiriam. Lá embaixo, o cenário devastador. “Tinha um senhor do meu lado, chorando, dizendo que ele conseguiu correr, mas a esposa, as filhas e os netos, não”.
O RESGATE
Foram duas horas ilhado no alto de Brumadinho, até que os primeiros helicópteros de emissoras de televisão avistaram o grupo. Os integrantes fizeram sinal para que pousassem. Minutos depois, uma aeronave do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais aterrissou em uma área de segurança. Três socorristas verificaram a situação dos sobreviventes, viram que não tinham feridos e os orientaram para que saíssem da área. “Um trator da Vale abriu caminho em meio a uma mata fechada que ligava o local onde estávamos até uma área mais segura para retornarmos a Belo Horizonte”.
Após conseguir abrigo e perceber que estava salvo, assim como o seu gerente, Rawgleison telefonou para a esposa, que naquele momento estava em Birigui. Sem entender muito bem o que tinha acontecido e preocupada, ela só orou para que o marido voltasse para casa vivo.
No domingo (27), o engenheiro conseguiu embarcar em um voo e chegou ao Aeroporto Dario Guarita, em Araçatuba, durante a tarde. O abraço apertado na esposa e no filho era aquele que ele tinha imaginado poder dar novamente enquanto corria fugindo da morte.
MORTOS E DESAPARECIDOS
O número de mortos após o rompimento da barragem subiu para 63, segundo informações divulgadas pela Defesa Civil de Minas Gerais. De acordo com o porta-voz do órgão, tenente-coronel Flávio Godinho, 382 pessoas foram localizadas, 191 foram resgatadas e 292 permanecem desaparecidas. Dos 60 mortos, 19 foram identificados até o momento. Há ainda 135 pessoas desabrigadas.
Durante coletiva de imprensa, o porta-voz do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, tenente Pedro Aihara, lembrou que o tipo de atuação realizada pelas equipes de busca e resgate é bastante delicada, já que envolve milhões de metros cúbicos de rejeito. A previsão, segundo ele, é que os homens permaneçam no local por semanas. As chances de encontrar sobreviventes, entretanto, são consideradas baixas.
“As chances são muito pequenas considerando o tipo de tragédia, que envolve lama”, disse, ao explicar que os rejeitos dificilmente permitem a formação de bolsões de ar. “É uma operação de guerra, que demanda esforços e compreensão de todas as partes”, concluiu (com informações de Agência Brasil).
Vitor Moretti
Araçatuba
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