A política de valorização do salário mínimo, interrompida pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), é responsável por R$ 425 dos R$ 998 do salário mínimo pago a trabalhadores e aposentados que recebem o piso do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) neste ano.
A projeção é do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Sem essa regra, portanto, o piso nacional em 2019 seria de R$ 573.
Nesta segunda-feira, a gestão Bolsonaro enviou ao Legislativo a proposta que traça as diretrizes para o Orçamento do ano que vem. O texto prevê que o piso de salários no Brasil será de R$ 1.040 a partir de janeiro de 2020, contando apenas com a reposição da inflação, estimada para encerrar este ano em 4,2%.
Entre 2005 e 2019, o salário mínimo subiu 283,8%, enquanto a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), responsável pela correção dos benefícios previdenciários acima do piso, avançou 120,2%.
Na prática, quem ganha um salário acumulou aumento real de 74,3% nos últimos 14 anos.
Negociada entre as centrais sindicais e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2004, a política de reajuste real do salário mínimo passou a ser aplicada no ano seguinte.
Só em 2007, porém, ganhou a fórmula que vigorou até este ano: a correção do piso se dá pela soma dos índices de inflação do ano anterior e do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.
O acordo também previa a antecipação progressiva da data-base de maio para janeiro, o que só foi concretizado em 2010. Em 2011, a política de aumento do piso foi transformada em lei pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
A legislação tinha validade até este ano e a sua renovação dependia de decisão de Bolsonaro.
Cerca de 48 milhões de brasileiros recebem a remuneração mínima no país. Desse total, há 23,3 milhões de beneficiários do INSS; 12,2 milhões de empregados formais; 8,6 milhões de autônomos e 3,8 milhões de empregados domésticos, ainda segundo o Dieese.
“O fim da política de aumento real do salário mínimo tem um enorme impacto na distribuição de renda do país, podendo ampliar a desigualdade e a miséria”, afirma o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio.
Os potenciais efeitos também podem chegar a trabalhadores com remunerações mais elevadas, segundo Clemente. “O salário mínimo possui um efeito de arrasto em relação aos pisos salariais das categorias de trabalhadores, principalmente aqueles que são de até dois salários mínimos”, afirma.
As centrais sindicais prometem mobilização para pressionar o Congresso a restabelecer a valorização salarial, de acordo com o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves. “Esse é um dos temas da pauta de reivindicações conjunta das centrais para o 1º de maio [Dia do Trabalhador]”, afirmou. “O prejuízo não é apenas para o trabalhador, [mas] para o comércio, às empresas, para a economia”, disse.
Em nota, o presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vagner Freitas, disse que as medidas do governo Bolsonaro promovem “arrocho salarial e previdenciário”.
Para Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), a mudança sinalizada pelo governo de Bolsonaro fará com que, “de agora em diante, os mais pobres sofram com o aumento da concentração de renda no país”.
Ao descontinuar a atual regra de reajustes salariais, o governo atingirá a maioria dos beneficiários da Previdência Social. Entre os cidadãos que recebem renda do INSS no ano passado, 66,5% ganharam salário mínimo, segundo dados da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia.
Procurada, a Secretaria de Previdência informou que não iria comentar.
Já o secretário especial de Fazenda da Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, negou que o valor do mínimo previsto no projeto signifique uma mudança na política de reajuste salarial do governo.
“Estamos colocando esse valor como uma previsão, não é uma política para o salário mínimo. O governo tem até dezembro para apresentar a política do salário mínimo e assim o fará”, disse.